sábado, 14 de novembro de 2009

O Xadrez ajuda no raciocinio e na concentração







O Xadrez é um ótimo exercicio para a concentração, observação, e memória, e ajuda a pensar estrategicamente.
Não importa o nível de dificuldade, aprenda e se desenvolva!

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Primeira resposta do SENHOR a Jó



29/10/2009

Primeira resposta do SENHOR a Jó

JÓ 38.1-7,16-18
Depois disso, do meio da tempestade, o SENHOR deu a Jó a seguinte resposta: "As suas palavras só mostram a sua ignorância; quem é você para pôr em dúvida a minha sabedoria? Mostre agora que é valente e responda às perguntas que lhe vou fazer.

Eu criei o mundo
"Onde é que você estava quando criei o mundo? Se você é tão inteligente, explique isso. Você sabe quem resolveu qual seria o tamanho do mundo e quem foi que fez as medições? Em cima de que estão firmadas as colunas que sustentam a terra? Quem foi que assentou a pedra principal do alicerce do mundo? Na manhã da criação, as estrelas cantavam em coro, e os servidores celestiais soltavam gritos de alegria.

"Jó, você já visitou as nascentes do mar? Já passeou pelo fundo do oceano? Alguém já lhe mostrou os portões do mundo dos mortos, aquele mundo de escuridão sem fim? Você tem alguma ideia da largura da terra? Responda, se é que você sabe tudo isso.

terça-feira, 27 de outubro de 2009

DeuséRigorosoapontodenãoperdoar?



Deus não acredita que eu seja inocente
27/10/2009

Deus não acredita que eu seja inocente

JÓ 9.25-35
"Os meus dias correm mais depressa do que um atleta; eles fogem sem ter visto a felicidade. A minha vida passa como um barco ligeiro, como uma águia quando se lança sobre um coelho. Posso tentar esquecer as minhas queixas, posso deixar o meu ar triste e voltar a ser alegre, mas logo os meus sofrimentos me deixam apavorado, pois sei que Deus não acredita que eu seja inocente. E, se ele acha que sou culpado, não adianta nada lutar. O sabão não pode lavar os meus pecados; o sabão mais forte não pode limpar o mal que cometi. Deus me joga na lama, e até a minha roupa tem nojo de mim. Deus não é um ser humano, como eu, e por isso não posso responder-lhe, nem podemos resolver a nossa questão no tribunal. Para nós dois não há um juiz que possa julgar a mim e a Deus. Ó Deus, para de me castigar! Não me enchas de medo com os teus terrores! Então eu falarei e não terei medo, pois a minha consciência não me acusa.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

BUDISMO E FÍSICA QUÂNTICA

A felicidade está em encontrar a alegria interna.


Em um mundo em que as pessoas procuram a felicidade externa, há lugar para o mundo invisível do pensamento intuitivo?
O valor da estética é mais importante que o sentimento do amor, natureza, ou o humano, ser bonito ou parecer bonito fisicamente, ou ter coisas materiais tem muito valor no nosso mundo, pessoas são avaliadas pelo que elas tem, e também o que elas parecem ser. Acho importante ter conforto e qualidade de vida, mais como ter o controle entre o material e o espiritual? Acho que um pode completar o outro, não é fácil, principalmente quando ter parece ser privilégio de poucos.
Como devemos harmonizar o externo com o interno?
Será que devemos continuar no automático sem olhar para os lados, para conquistar o maximo de coisas materiais possíveis?
Na nossa busca da felicidade material em muitos casos nigligenciamos o nosso lado espiritual.
O comunismo faliu porque pessoas eram niveladas por baixo, sem ter a liberdade de pelo menos tentar ser mais capaz, em todos os sentidos.
Texto do monge Hitech

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Resumo da História da Filosofia


Introdução

A palavra filosofia é de origem grega e significa amor à sabedoria. Ela surge desde o momento em que o homem começou a refletir sobre o funcionamento da vida e do universo, buscando uma solução para as grandes questões da existência humana. Os pensadores, inseridos num contexto histórico de sua época, buscaram diversos temas para reflexão. A Grécia Antiga é conhecida como o berço dos pensadores, sendo que os sophos ( sábios em grego ) buscaram formular, no século VI a.C., explicações racionais para tudo aquilo que era explicado, até então, através da mitologia.

Os Pré-Socráticos

Podemos afirmar que foi a primeira corrente de pensamento, surgida na Grécia Antiga por volta do século VI a.C. Os filósofos que viveram antes de Sócrates se preocupavam muito com o Universo e com os fenômenos da natureza. Buscavam explicar tudo através da razão e do conhecimento científico. Podemos citar, neste contexto, os físicos Tales de Mileto, Anaximandro e Heráclito. Pitágoras desenvolve seu pensamento defendendo a idéia de que tudo preexiste a alma, já que esta é imortal. Demócrito e Leucipo defendem a formação de todas as coisas, a partir da existência dos átomos.

Período Clássico

Os séculos V e IV a.C. na Grécia Antiga foram de grande desenvolvimento cultural e científico. O esplendor de cidades como Atenas, e seu sistema político democrático, proporcionou o terreno propício para o desenvolvimento do pensamento. É a época dos sofistas e do grande pensador Sócrates.
Os sofistas, entre eles Górgias, Leontinos e Abdera, defendiam uma educação, cujo objetivo máximo seria a formação de um cidadão pleno, preparado para atuar politicamente para o crescimento da cidade. Dentro desta proposta pedagógica, os jovens deveriam ser preparados para falar bem ( retórica ), pensar e manifestar suas qualidades artísticas.
Sócrates começa a pensar e refletir sobre o homem, buscando entender o funcionamento do Universo dentro de uma concepção científica. Para ele, a verdade está ligada ao bem moral do ser humano. Ele não deixou textos ou outros documentos, desta forma, só podemos conhecer as idéias de Sócrates através dos relatos deixados por Platão.
Platão foi discípulo de Sócrates e defendia que as idéias formavam o foco do conhecimento intelectual. Os pensadores teriam a função de entender o mundo da realidade, separando-o das aparências.
Outro grande sábio desta época foi Aristóteles que desenvolveu os estudos de Platão e Sócrates. Foi Aristóteles quem desenvolveu a lógica dedutiva clássica, como forma de chegar ao conhecimento científico. A sistematização e os métodos devem ser desenvolvidos para se chegar ao conhecimento pretendido, partindo sempre dos conceitos gerais para os específicos.

Período Pós-Socrático

Está época vai do final do período clássico (320 a.C.) até o começo da Era Cristã, dentro de um contexto histórico que representa o final da hegemonia política e militar da Grécia.
Ceticismo : de acordo com os pensadores céticos, a dúvida deve estar sempre presente, pois o ser humano não consegue conhecer nada de forma exata e segura.
Epicurismo : os epicuristas, seguidores do pensador Epicuro, defendiam que o bem era originário da prática da virtude. O corpo e a alma não deveriam sofrer para, desta forma, chegar-se ao prazer.
Estoicismo : os sábios estóicos como, por exemplo Marco Aurélio e Sêneca, defendiam a razão a qualquer preço. Os fenômenos exteriores a vida deviam ser deixados de lado, como a emoção, o prazer e o sofrimento.

Pensamento Medieval

O pensamento na Idade Média foi muito influenciado pela Igreja Católica Desta forma, o teocentrismo acabou por definir as formas de sentir, ver e também pensar durante o período medieval. De acordo com Santo Agostinho, importante teólogo romano, o conhecimento e as idéias eram de origem divina. As verdades sobre o mundo e sobre todas as coisas deviam ser buscadas nas palavras de Deus.
Porém, a partir do século V até o século XIII, uma nova linha de pensamento ganha importância na Europa. Surge a escolástica, conjunto de idéias que visava unir a fé com o pensamento racional de Platão e Aristóteles. O principal representante desta linha de pensamento foi Santo Tomás de Aquino.

Pensamento Filosófico Moderno

Com o Renascimento Cultural e Científico, o surgimento da burguesia e o fim da Idade Média, as formas de pensar sobre o mundo e o Universo ganham novos rumos. A definição de conhecimento deixa de ser religiosa para entrar num âmbito racional e científico. O teocentrismo é deixado de lado e entre em cena o antropocentrismo ( homem no centro do Universo ). Neste contexto, René Descartes cria o cartesianismo, privilegiando a razão e considerando-a base de todo conhecimento.
A burguesia, camada social em crescimento econômico e político, tem seus ideais representados no empirismo e no idealismo.
No século XVII, o pesquisador e sábio inglês Francis Bacon cria um método experimental, conhecido como empirismo. Neste mesmo sentido, desenvolvem seus pensamentos Thomas Hobbes e John Locke.
O iluminismo surge em pleno século das Luzes, o século XVIII. A experiência, a razão e o método científico passam a ser as únicas formas de obtenção do conhecimento. Este, a única forma de tirar o homem das trevas da ignorância. Podemos citar, nesta época, os pensadores Immanuel Kant, Friedrich Hegel, Montesquieu, Diderot, D'Alembert e Rosseau.
O século XIX é marcado pelo positivismo de Auguste Comte. O ideal de uma sociedade baseada na ordem e progresso influencia nas formas de refletir sobre as coisas. O fato histórico deve falar por si próprio e o método científico, controlado e medido, deve ser a única forma de se chegar ao conhecimento.
Neste mesmo século, Karl Marx utiliza o método dialético para desenvolver sua teoria marxista. Através do materialismo histórico, Marx propõe entender o funcionamento da sociedade para poder modificá-la. Através de uma revolução proletária, a burguesia seria retirada do controle dos bens de produção que seriam controlados pelos trabalhadores.
Ainda neste contexto, Friedrich Nietzsche, faz duras críticas aos valores tradicionais da sociedade, representados pelo cristianismo e pela cultura ocidental. O pensamento, para libertar, deve ser livre de qualquer forma de controle moral ou cultural.

Época Contemporânea

Durante o século XX várias correntes de pensamentos agiram ao mesmo tempo. As releituras do marxismo e novas propostas surgem a partir de Antonio Gramsci, Henri Lefebvre, Michel Foucault, Louis Althusser e Gyorgy Lukács. A antropologia ganha importância e influencia o pensamento do período, graças aos estudos de Claude Lévi-Strauss. A fenomenologia, descrição das coisas percebidas pela consciência humana, tem seu maior representante em Edmund Husserl. A existência humana ganha importância nas reflexões de Jean-Paul Sartre, o criador do existencialismo.

domingo, 17 de maio de 2009

Criacionismo, Evolucionismo e Espiritismo

Por: Eliseu Mota Júnior


Neste ano de 2009 a comunidade científica comemora o bicentenário do nascimento de Charles Robert Darwin (12/02/1809-19/04/1882), e o sesquicentenário da primeira edição de seu livro A origem das espécies, ocorrida em 24 de novembro de 1859. Por causa dessas efemérides, renasceram os debates em torno do criacionismo e do evolucionismo, as duas principais teorias sobre a criação do universo. Por isso, faremos uma pequena síntese de cada uma delas e daremos uma visão espírita desse importante assunto.

O criacionismo, embasado na Gênese bíblica, sustenta que, cerca de quatro mil anos antes da era cristã, Deus criou o mundo em seis dias, na seguinte ordem: a luz (primeiro dia); o firmamento (segundo dia); a terra, as plantas, as ervas e as árvores frutíferas (terceiro dia); o Sol, a Lua e as estrelas (quarto dia); os animais marinhos e as aves (quinto dia); os animais domésticos, os répteis, os animais selvagens, o homem e a mulher (sexto dia). E, havendo Deus terminado a criação, no sétimo dia descansou de sua obra.

Charles Darwin foi o primeiro cientista a oferecer uma alternativa a esse relato bíblico da criação. Observando plantas e animais numa viagem de cinco anos ao redor do mundo, ele concluiu que a evolução explica a diversidade dos seres vivos, tendo como base a chamada seleção natural, teoria segundo a qual os integrantes das diferentes espécies competem reciprocamente na luta pela vida, saindo vencedor aquele que apresentar qualquer variação de habilidade mais vantajosa. Em suma, os mais fracos perecem e os mais aptos sobrevivem, legando à sua descendência as variações benéficas. No tocante à origem do homem, os evolucionistas sustentam que a transição entre o reino animal e a espécie humana foi feita através dos primatas e dos homens pré-históricos. Estão de acordo em que o homem e a família dos macacos se separaram a partir de um antepassado comum.

Uma visão espírita livre de preconceitos pode aceitar o evolucionismo e a teoria cosmogônica do “big bang”, segundo a qual tudo começou a partir da singularidade, um minúsculo átomo energético que sofreu uma expansão súbita e originou o universo, há mais ou menos dezoito bilhões de anos. Antes do “big bang” havia uma espécie de “campo quântico inicial”, onde a noção de materialidade não tem sentido, pois não existia traço algum do que seja material. No instante primordial ocorreu uma transferência de energia extremamente elevada, que permitiu a criação do átomo primitivo. E isto num contexto onde o espaço e o tempo ainda não têm existência física.

A “grande explosão ou expansão” inicial poderia ter sido caótica, desordenada, mas os componentes desse universo nascente obedecem a uma ordem rigorosa desde a fase inicial, como se o homem tivesse nascido em um universo feito para ele, intencionalmente construído na sua medida por uma inteligência suprema e causa primária de todas as coisas, a que o Espiritismo denomina Deus.

Atualmente os cientistas constataram a existência de um fenômeno de ordem subjacente, que conduz inelutavelmente ao surgimento da vida. Com efeito, eles lembram que a desordem não é um estado natural da matéria, mas um estado que precede a emergência ou a eclosão de uma ordem mais elaborada. Ficou demonstrada a existência de uma espécie de trama contínua que une o inerte, o preexistente e o vivo, a matéria tendendo a se estruturar para se tornar matéria viva. A Doutrina Espírita esclarece que Deus criou o espírito (princípio inteligente do universo) e a matéria, os quais, unidos por um agente intermediário, originaram a criação, cujo ápice é exatamente a vida.

De fato, na lúcida visão de Léon Denis, “não sendo a vida mais que uma manifestação do espírito, traduzida pelo movimento, essas duas formas de evolução são paralelas e solidárias. A alma elabora-se no seio dos organismos rudimentares. No animal está apenas em estado embrionário; no homem, adquire o conhecimento, e não mais pode retrogradar. Porém, em todos os graus ela se prepara e conforma o seu invólucro. As formas sucessivas que reveste são a expressão do seu valor próprio. A situação que ocupa na escala dos seres está em relação direta com o seu estado de adiantamento” (Depois da morte, pp. 132-l33). Em outras palavras, “a alma dorme no mineral, sonha no vegetal, agita-se no animal e desperta no homem”.

Em síntese, ao mostrar que “fé raciocinada só o é aquela que enfrenta a razão face a face em todas as épocas da humanidade”, o Espiritismo é o único elo capaz de uni-las, porque sem ele “a ciência continua manca e a religião prossegue na sua cegueira”, como diria o cientista Albert Einstein.

Postado em: Casa Editora O Clarim
http://www.oclarim.com.br/?id=7&tp_not=2&cod=836

quinta-feira, 7 de maio de 2009

História da Filosofia e História das Ideias

Roger Scruton


O assunto deste livro é a filosofia "moderna". Suponho, como outros, que a filosofia moderna tem início com Descartes, e que sua mais significativa manifestação recente deve ser encontrada nos escritos de Wittgenstein. Espero embasar tais suposições, mas meu principal objetivo será apresentar a história da filosofia ocidental moderna de modo tão breve quanto possível.

Desejo que o teor deste livro seja inteligível para os que não possuem conhecimento especializado de filosofia analítica contemporânea. Infelizmente, é muito difícil descrever brevemente a natureza da filosofia; a única satisfação que um autor pode auferir da tentativa de fazê-lo está em saber que uma resposta à questão "que é filosofia?" só pode parecer persuasiva na medida em que seja breve. Quanto mais se pondera acerca das restrições que qualquer resposta dada deve apresentar, mais se é impelido à conclusão de que tal questão constitui em si mesma o principal objeto da pesquisa filosófica. É claro que a descrição que agora faço da natureza da filosofia refletirá meu ponto de vista filosófico particular, e, aos olhos do leitor, seu mérito deve residir no fato de ter-se recomendado a um filósofo que é também seu contemporâneo.A natureza da filosofia pode ser apreendida mediante dois contrastes : com a ciência, por um lado, e com a teologia, por outro. Comumente, a ciência constitui o domínio da investigação empírica; ela origina-se da tentativa de compreender o mundo como o percebemos, predizer e explicar eventos observáveis e formular as "leis da natureza" (caso existam), consoante as quais o curso da experiência humana deve ser explicado. Qualquer ciência produzirá uma quantidade de questões que ultrapassam o alcance de seus próprios métodos de pesquisa e que, por conseguinte, ela não poderá resolver. Consideremos a questão, extraída de algum episódio considerado notável: "Que causou isso?" Provavelmente, uma resposta científica deve ser formulada em termos de eventos e condições precedentes, juntamente com certas leis ou hipóteses que articulem o evento a ser explicado com os eventos que o explicam. Entretanto, poderemos fazer a mesma pergunta com relação a esses outros eventos e, caso se respondesse do mesmo modo, pelo menos potencialmente, as séries causais poderiam prolongar-se eternamente, regredindo ao infinito. Percebendo tal possibilidade, poderíamos ser levados a perguntar: "Que causou a existência das séries?", ou, ainda mais abstratamente, "Por que devem existir eventos?"; ou seja, não apenas por que deveria haver este ou aquele evento, mas por que existe alguma coisa? Naturalmente, a investigação científica que nos leva do que é dado ao que o explica pressupõe a existência de coisas. Conseqüentemente, ela não pode resolver essa questão mais abstrata e intrincada. Trata-se de uma questão que parece ultrapassar a pesquisa empírica e, não obstante, simultaneamente dela provir de modo natural. A própria ciência não proporcionará a resposta, mas não parece absurdo sugerir que pode haver uma resposta.

Constantemente, descobrimos que a ciência produz questões que ultrapassam sua própria capacidade de resolvê-las. Têm-se chamado tais questões de metafísicas; elas constituem uma parte distinta e inevitável do objeto da filosofia. Ora, considerando 0 problema metafísico particular que mencionei, poderíamos recorrer a um sistema teológico autoritário. Poderíamos encontrar sua resposta ao invocar Deus como causa primeira e meta final de todas as coisas. Porém, se tal invocação se basear somente na fé, ela não poderá pretender outra autoridade racional além da que se pode atribuir à revelação. Quem recorre à fé para solucionar tal problema, e não questiona a validade de seu proceder, possui, de certo modo, uma filosofia. Tal pessoa apoia sua alegação numa doutrina metafísica, mas expressa essa doutrina dogmaticamente, ou seja, tal doutrina não é, para ela, nem a conclusão de um argumento embasado nem o resultado de especulação metafísica. É simplesmente uma idéia aceita, que tem o mérito intelectual de produzir respostas a quebra-cabeças metafísicos, mas com a peculiar desvantagem de não acrescentar qualquer autoridade àquelas respostas que não esteja contida na suposição dogmática original.

Qualquer tentativa de proporcionar uma base racional para a teologia constituir-se-á, pela mesma razão de que a teologia provê respostas para questões metafísicas, numa forma de pensamento filosófico. Portanto, não surpreende o fato de que, embora a teologia isoladamente não seja filosofia, a questão da possibilidade da teologia tem sido, e até certo ponto ainda e, a principal questão filosófica.

Além das questões metafísicas do tipo a que me referi, existem outras questões que têm algum direito prima facie a ser consideradas filosóficas. Particularmente, existem questões de método, exemplificadas pelos estudos de epistemologia (teoria do conhecimento) e de lógica. Assim como a investigação científica pode chegar ao ponto de se tornar metafísica, seu próprio método pode ser questionado mediante repetidas indagações acerca dos fundamentos de cada asserção particular. Desse modo, a ciência dá origem inevitavelmente aos estudos de lógica e de epistemologia e, caso nos inclinemos a dizer que as conclusões de tais estudos são vãs ou sem sentido, ou que suas questões são irrespondíveis, tratar-se-á de uma opinião filosófica, tão carente de argumentação como as alternativas menos céticas.

Aos estudos metafísicos, lógicos e epistemológicos devemos acrescentar os éticos e de filosofia política, visto que, também aqui, tão logo somos levados a investigar a base de nosso pensamento, somos impelidos a níveis de abstração em que nenhuma investigação empírica pode proporcionar resposta satisfatória. Por exemplo, embora concebamos que um comprometimento com um princípio moral que proíba o roubo envolva o ato de não roubar em qualquer ocasião particular, também reconhecemos que o caso de um homem esfaimado que rouba um pão de alguém que não precise deve ser considerado diferentemente do de um homem rico que rouba o objeto mais precioso de alguém. Mas por que consideramos tais ações de modo diferente como reconciliamos tal atitude com a fidelidade ao principio original e como justificamos o próprio princípio? Todas essas questões conduzem-nos a regiões distintamente filosóficas; os âmbitos da moralidade, da lei e da política ficarão para trás, e nos veremos buscando abstrações, amiúde pouco convencidos de que elas sejam suficientes para sustentar um sistema de crenças, e novamente desejosos de nos refugiar em dogmas teológicos.

Então, o que distingue o pensamento filosófico? As questões formuladas pelos filósofos têm duas características peculiares, a partir das quais poderíamos começar a caracterizá-las: a preocupação com a verdade. No que tange à abstração, quero, em linhas gerais, dizer que as questões filosóficas surgem no fim de todas as outras pesquisas, quando as questões acerca de coisas particulares, eventos e dificuldades práticas são solucionadas de acordo com os métodos disponíveis, e quando esses próprios métodos, ou alguma doutrina metafísica que sua aplicação parece pressupor, são questionados. Assim sendo, os problemas filosóficos e os sistemas destinados a resolvê-los são formulados em termos que tendem a se referir aos domínios da possibilidade e da necessidade e não ao da realidade, ou seja, ao que poderia e ao que deveria ser e não ao que é.

A segunda característica - a preocupação com a verdade - poderia parecer óbvia demais para que valesse a pena mencioná-la. Porém, é facilmente esquecida, e quando tal acontece a filosofia corre o risco de degenerar em retórica. As questões formuladas pela filosofia podem ser peculiares pelo fato de não terem resposta; e alguns filósofos têm-se inclinado a pensar assim. Entretanto, elas, não obstante, são questões, de modo que qualquer resposta deve ser avaliada pelas razões alegadas para se caracterizá-la como verdadeira ou falsa. Se não existem respostas, então todas as respostas putativas são falsas. Mas se propusermos uma resposta, deveremos apresentar razões para que ela seja crível.

Ao longo das páginas deste livro, deparar-nos-emos com vários autores e escolas de pensamento que se têm baseado no que se poderia chamar de "metafilosofia", isto é, em alguma teoria que se refira à natureza do pensamento filosófico, destinada a explicar como pode haver uma disciplina intelectual totalmente abstrata e, não obstante, dedicada à busca da verdade. Tais metafilosofias tendem a ser de um ou de outro tipo, conforme sustentem ser a especulação ou a análise a meta do pensamento filosófico.

Diz-se - seguindo a tradição de Platão e Pitágoras - que a filosofia adquire seu caráter abstrato porque consiste no estudo especulativo de coisas abstratas, particularmente de certos objetos ou certos mundos, inacessíveis à experiência. Tais filosofias devem, provavelmente, denegrir a investigação empírica, alegando que ela só revela meias verdades, já que apenas estuda as aparências, ao passo que a filosofia especulativa possui a superior virtude de alcançar o domínio da necessidade onde o verdadeiro conteúdo do mundo (ou o conteúdo do verdadeiro mundo) é revelado. Outros julgam que a filosofia alcança a abstração não porque especule acerca de algum outro mundo mais elevado, mas porque se ocupa da tarefa mais mundana da crítica intelectual, ao estudar os métodos e metas de nossas formas específicas de pensamento, a fim de atingir conclusões concernentes aos seus limites e validade. Uma abstração é apenas abstração do - a partir do - particular; não é abstração concernente a algo mais, e menos ainda a algum outro domínio de ser. Quanto à busca da verdade, que é imediatamente explicada como uma extensão do desejo de determinar o que se pode conhecer e o que se pode provar - a verdade filosófica é simplesmente a verdade acerca dos limites do entendimento humano.

Essa filosofia analítica ou crítica, expressa de modo mais notável nos escritos de Kant, tem também dominado a filosofia anglo-saxônica ao longo deste século, ao assumir a forma especial de análise "conceitual" ou "lingüística". Todavia, a história do assunto sugere que, em termos de filosofia, a análise, por mais consideração que se tenha por ela, sempre acarreta o desejo de síntese e especulação. Por mais exígua que uma filosofia particular possa parecer à primeira vista, por mais que pareça mero jogo verbal ou variação lógica, muito provavelmente ela conduzirá, mediante passos persuasivos, a conclusões cujas implicações metafísicas são tão inalcançáveis quanto as de qualquer dos grandes sistemas especulativos.

Aleguei ser uma característica essencial do pensamento filosófico o fato de que ele deve ter como meta a verdade. Porém ante a desconcertante variedade das conclusões, as contradições dos métodos e a obscuridade das premissas dos filósofos, o leitor comum pode muito bem achar que tal meta é irrealizável ou na melhor das hipóteses, uma pia esperança e não uma intenção séria. Certamente, ele dirá que, se existe algo como a pesquisa filosófica, que visa a verdade e a produz, então deveria haver progresso filosófico, premissas aceitas e conclusões estabelecidas; em suma, o tipo de constante tendência a cair em desuso por parte de sucessivos sistemas que observamos na ciência natural, quando novos resultados são estabelecidos e se subvertem os antigos. Contudo, não é isso que constatamos; as obras de Platão e Aristóteles são agora estudadas tão seriamente como nunca foram, e é tarefa de um filósofo moderno, assim como era para os pensadores contemporâneos daqueles filósofos, estar familiarizado com seus argumentos. Um cientista, ao contrário, embora se possa interessar pela história do assunto que estuda, pode muitas vezes ignorá-la impunemente, o que acontece com freqüência. Um físico moderno que nunca ouviu falar de Arquimedes pode, não obstante, conhecer completamente as conclusões estabelecidas em sua disciplina.

Responder-se-ia a tal ceticismo argumentando que existe progresso em filosofia, mas que o assunto é particularmente difícil. Encontra-se no limite do, entendimento humano; portanto, o seu progresso é lento. Também se responderia argumentando que a natureza do assunto é tal que cada tentativa constitui um novo começo, que pode questionar tudo, e só raramente alcançar conclusões que ainda não foram enunciadas de alguma outra forma, expressas na linguagem de algum outro sistema. Aqui, será proveitoso contrastar a filosofia com a ciência e a literatura. Como sugeri, um cientista pode, impunemente, conhecer apenas a história recente de sua disciplina e, não obstante, ser um cientista competente. De modo contrário, quem apenas compreende de forma inadequada a física (o sistema físico atualmente aceito como verdadeiro) pode, todavia, mostrar-se um competente historiador do assunto, capaz de investigar e expor as pressuposições intelectuais ou a importância história de uma hipótese ou forma de pensamento há muito obsoleta. (Vemos assim que a ciência e a história da ciência estão começando a ser disciplinas acadêmicas separáveis, com pouca ou nenhuma sobreposição em matéria de questões ou resultados.)

Entretanto, quando nos voltamos para a literatura, encontramos um estado de coisas completamente diferente. Em primeiro lugar, é improvável sugerir que há uma tendência inata da literatura a progredir, visto que não se pode descrever a direção em que ela se desenvolve. A ciência, que progride na direção da verdade, se constrói sobre o já estabelecido, tendo um direito inalienável de subverter e demolir os mais ingênuos, satisfatórios e belos de seus sistemas estabelecidos. Desse modo, Copérnico e Galileu subverteram as cosmologias ptolomaica e aristotélica. Portanto, alguém que nunca tenha ouvido falar de Ptolomeu ou até mesmo de Aristóteles ainda assim poderá tornar-se o maior especialista vivo no assunto. A literatura, ao contrário, tem seus pontos altos e baixos, mas nada semelhante a uma progressão necessária de um ponto para outro. A perspectiva de tal paisagem mudará com o tempo: o que se afigurava grandioso decrescerá com o passar dos anos e (mais raramente) o que agora parece insignificantes parecerá grande visto à distância. Mas não há progresso além de Homero ou Shakespeare, nem expectação necessária de que alguém por mais talentoso que seja, que tenha lido toda a literatura produzida antes dele deva, por conseguinte, estar em condições de escrever tão bem ou melhor, ou até mesmo de compreender o que leu. Duas importantes características do conhecimento literário estão ligadas a essa evidente falta de direção determinada: primeiramente, é impossível dedicarmo-nos à história da literatura sem uma compreensão plena da literatura, e, em segundo lugar, não podemos admitir que se adquira esse tipo de compreensão apenas com o estudo de obras contemporâneas. Aqui, há uma interpenetração e uma interdependência entre história e crítica; porém, no que tange à ciência, elas são independentes.

A filosofia parece ocupar algum lugar intermediário entre a ciência e a literatura. Por um lado, é possível , como o fez Wittgenstein, focalizá-la com um espírito completamente a-histórico, ignorando as realizações de filósofos anteriores e apresentando os problemas filosóficos sem ostentar uma relação autoconfessada com a tradição do assunto. Embora grande parte da filosofia contemporânea seja desse tipo a-histórico, geralmente não é pior por isso. Os filósofos têm sido bem-sucedidos ao isolar uma série de questões às quais se têm dirigido, cada vez mais preocupados com o que se tem pensado mais recentemente e com a intenção de aperfeiçoar tal pensamento. A imagem é produzida por "resultados estabelecidos" e por um movimento que, por ser progressivo, pode chegar a ser a-histórico. Porém, com um pouco de habilidade, geralmente se pode descobrir, dissimuladas nos escritos de algum filósofo histórico, não só a mais recente opinião aceita como alguma réplica surpreendente dos argumentos empregados em seu favor. A descoberta de que os mais recentes resultados foram antecipados por Aristóteles, por exemplo, ocorreu muitas vezes no decorrer da história da filosofia, e sempre de modo a levar ao reconhecimento de novos argumentos, novas dificuldades e novas objeções que envolvem a opinião adotada, seja com a teologia escolástica de Santo Tomás de Aquino, a metafísica romântica de Hegel ou a estéril análise da escola lingüística contemporânea.

Ademais, é indubitável que focalizar as obras de historiadores da filosofia sem se adquirir alguma competência filosófica independente conduz ao equívoco. Um enfoque puramente "histórico" deturpa tanto a filosofia de Descartes ou de Leibniz quanto as peças de Shakespeare ou a poesia de Dante. Compreender o pensamento desses filósofos é enfrentar os problemas aos quais se dedicaram, problemas que geralmente ainda constituem o objeto da pesquisa filosófica. Parece quase pré-condição para nos introduzirmos ao pensamento dos filósofos tradicionais que não consideremos "fechadas" as questões que eles discutiram, ou superados seus resultados. Na medida em que os consideremos como tal, desalojamo-nos de qualquer lugar central na história do assunto. (Assim como um poeta se inspira no corpo de nossa literatura apesar de suas preocupações lhe parecerem estritamente pessoais.) Adotando-se tal concepção, logo se concluiria que dois filósofos podem chegar a resultados semelhantes, mas apresentá-los de modo tão diferente a ponto de merecerem o mesmo lugar na história da filosofia. Assim é com Guilherme de Ockham e Hume, com Hegel e Sartre. Deparar-nos-emos repetidas vezes com tal fenômeno neste livro.

Estamos agora em condições de estabelecer uma distinção preliminar, da maior importância, entre a história da filosofia e a "história das idéias". Uma idéia pode ter uma história complexa e interessante, mesmo quando se afigura óbvio para qualquer filósofo que ela não pode ter poder persuasivo. (Consideremos a idéia de que há mais de um Deus.) Outrossim, uma idéia pode possuir sério conteúdo filosófico, mas dever sua influência não à sua verdade, mas ao desejo que os homens sentem de acreditar nela. (Consideremos a idéia de redenção.) A fim de participar da história da filosofia, uma idéia deve possuir uma significância filosófica intrínseca, capaz de despertar o espírito de pesquisa de um contemporâneo e afigurar-se como algo que poderia ser sustentável e até mesmo verdadeiro. Para participar da história das idéias, basta que uma idéia tenha influenciado historicamente a vida dos homens. A história da filosofia deve considerar uma idéia em função dos argumentos que a sustentam, mas ocorre de desviar sua atenção, atentando para suas manifestações mais vulgares ou para suas origens em concepções que não encerram valor filosófico. Certamente, o historiador da filosofia tem o direito de estudar a ética kantiana e ignorar a obra de Lutero intitulada Sujeição da Vontade, * embora, do ponto de vista histórico, a primeira fosse impossível se a segunda não tivesse sido escrita. Reconhecer tais pormenores é reconhecer que, em matéria de história da filosofia, o melhor método pode discrepar da prática do historiador das idéias. Talvez seja necessário que o filósofo tire uma idéia do contexto em que foi concebida para reexpressá-la em linguagem direta e acessível, simplesmente com o intuito de avaliar sua verdade. Assim sendo a história da filosofia se torna uma disciplina filosófica, e não histórica.

Por conseguinte, se o historiador da filosofia se preocupa com influências, tais influências derivarão do caráter irrefutável das idéias e não de seu apelo emocional ou prático. Assim, a influência de Hume e Kant será da maior importância filosófica, ao passo que a influência de Voltaire e Diderot será relativamente pequena. Para o historiador das idéias esses quatro pensadores fazem parte do grande movimento singular denominado "Iluminismo", e, no que se refere à vida dos homens, onde o que importa é o poder de motivação e não a irrefutabilidade, suas respectivas influências se entrelaçam inextricavelmente.

Pode suceder que um historiador das idéias e um historiador da filosofia estudem o mesmo sistem a de pensamento; mas fá-lo-ão com interesses contraditórios, o que exigirá uma aptidão intelectual diferente. A influência histórica de 0 contrato social de Rousseau foi enorme. Para se estudar tal influência não é necessária uma melhor compreensão filosófica da obra do que a que tiveram os que foram mais profundamente influenciados por ela - homens de letras, déspotas esclarecidos e agitadores populares. Todavia, a questão de seu interesse filosófica é independente e, para focalizar a obra a partir da concepção filosófica, deve-se compreender e apresentar suas conclusões com a melhor intenção de determinar sua verdade. Para fazê-lo, precisaremos demonstrar aptidões de tipo diferente das dos homens mais fortemente influenciados pela doutrina. Podemos realmente chegar à conclusão (não nesse caso, mas certamente no de Os direitos do homem, de Tom Paine) de que uma obra filosófica de imensa importância histórica não desfruta de lugar significativo na história da filosofia.

Ao ler as páginas seguintes, o leitor deve ter em mente essa distinção entre a história da filosofia e a história das idéias e reconhecer que a história que ora esboço tanto produz como é produzida pelo estado atual do entendimento filosófico. Meu método, porém, não será expor detalhadamente os argumentos dos filósofos, mas delinear as principais conclusões, sua importância filosófica e os tipos de consideração que levaram seus autores a adotá-las.

In Scruton, R. (1981): Introdução à Filosofia Moderna, Rio de Janeiro: Zahar, pgs. 11-19

sábado, 2 de maio de 2009

NOSSO MEDO MAIS PROFUNDO

Nosso medo mais profundo não é o de sermos inadequados.
Nosso medo mais profundo é de sermos poderosos além da medida.
É a nossa luz, não nossa escuridão, o que mais nos assusta.
Nós nos perguntamos, Quem sou eu para ser brilhante, interessante,
talentoso e fabuloso?
Na realidade, quem é você para não ser?
Você é um filho de Deus.
Fazer papel pequeno não serve ao mundo.
Não tem nada de iluminador em se encolher
de forma que outras pessoas em volta de você não se sintam inseguras.
Nós nascemos para manifestar a glória de Deus que está dentro de nós.
E não está só em alguns de nós, está em todo mundo.
E quando deixamos a nossa própria luz brilhar,
inconscientemente, damos a outras pessoas,
permissão para fazerem o mesmo.
Quando nos libertamos dos nosso medos,
nossa presença automaticamente liberta os outros!



Nelson Mandela - 1994

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Memória: Como Entender e Estimular

Autora: Eliane Pisani Leite

A memória é a capacidade de armazenar o conhecimento adquirido por situações vividas por nós mesmos ou em nosso meio.

Ela acontece através de um processo bioquímico entre algumas regiões do cérebro.

A inteligência não depende do número de neurônios (células cerebrais), mas sim do número de ligações formadas pelos dentritos (ramificações dos neurônios) em função das estimulações, a estas ligações dá-se o nome de sinapses. Quanto mais sinapses forem criadas no cérebro, melhor para o desenvolvimento humano.

Todo esse processo de mielinização dos neurônios dá-se o nome de plasticidade neural. Esse processo só acaba no dia em que morremos.

Nos anos 70 acreditava-se que os neurônios tinham número limitado e que começavam a morrer aos 26 anos de idade. Até que um pesquisador da Alemanha, afirmou que todos os dias existem novos neurônios para serem estimulados para uso, na região do cérebro chamada de Hipocampo, e caso esses neurônios não forem ativados, eles poderão morrer.

A memória sempre vai depender das modificações que ocorrem entre um neurônio e outro. Ela tem íntima relação com os processos sensoriais.

Todos nós temos recursos internos e externos para estimular a memória e dar ênfase à plasticidade neural, para isso só precisamos aumentar e modificar algumas situações de rotina, por exemplo.

Tendo em vista o fato da descoberta que diariamente existem novos neurônios para serem ativados, então porque não colocá-los em atividade.

Para isso precisamos de uma vida saudável, com boa alimentação. Os alimentos que podem contribuir para essa plasticidade, são: banana; mel; derivados de soja, levedura de cerveja, peixes, alimentos ricos em fibras e pouca gordura.

Também é necessária muita estimulação, por exemplo, se você vai para o seu trabalho sempre pelo mesmo caminho, então passe a fazer um novo percurso, mude sua rota, descubra outras ruas. Isso irá ajudá-lo a criar novas sinapses em virtude dos novos estímulos do caminho diferente que esta fazendo.

Os exercícios podem ser simples, como ler, dançar, desenhar ou jogar. Atitudes como estas, são capazes de aumentar o poder de raciocino, a concentração e outras habilidades.

Estudos científicos já mostraram que a atividade cerebral pode inclusive proteger as pessoas de doenças degenerativas.

Que tal modificar um pouco sua rotina?

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Eliane Pisani Leite - Psicologia – Psicopedagogia - Assessoria Escolar

Estimule a memória e o cérebro

Quem Mecheu no meu queijo



Até que ponto uma dificuldade, crise, falta de afeto, insegurança, timidez, paralisa você?

segunda-feira, 13 de abril de 2009

A Divina Comédia





Poema épico de Dante Alighieri

Divina Comédia é a obra prima de Dante Alighieri, que a iniciou provavelmente por volta de 1307, concluindo-a pouco antes de sua morte (1321). Escrita em italiano, a obra é um poema narrativo rigorosamente simétrico e planejado que narra uma odisséia pelo Inferno, Purgatório e Paraíso, descrevendo cada etapa da viagem com detalhes quase visuais. Dante, o personagem da história, é guiado pelo inferno e purgatório pelo poeta romano Virgílio, e no céu por Beatriz, musa em várias de suas obras.
O poema possui uma impressionante simetria matemática baseada no número três. É escrito utilizando uma técnica original conhecida como terza rima, onde as estrofes de dez sílabas, com três linhas cada, rimam da forma ABA, BCB, CDC, DED, EFE, etc. Ou seja, a linha central de cada terceto controla as duas linhas marginais do terceto seguinte. Veja um exemplo (primeiras estrofes do Inferno):

1 Nel mezzo del cammin di nostra vita A
2 mi ritrovai per una selva oscura B
3 ché la diritta via era smarrita. A

4 Ahi quanto a dir qual era è cosa dura B
5 esta selva selvaggia e aspra e forte C
6 che nel pensier rinova la paura! B

7 Tant'è amara che poco è più morte; C
8 ma per trattar del ben ch'i' vi trovai, D
9 dirò de l'altre cose ch'i' v'ho scorte. C

10 Io non so ben ridir com'i' v'intrai, D
11 tant'era pien di sonno a quel punto E
12 che la verace via abbandonai. D

Ao fazer com que cada terceto antecipe o som que irá ecoar duas vezes no terceto seguinte, a terza rima dá uma impressão de movimento ao poema. É como se ele iniciasse um processo que não poderia mais parar. Através do desenho abaixo pode-se ter uma visão mais clara do efeito dinâmico da poesia:


Diagrama representando o esquema poético da Divina Comédia (terza rima). As letras representam o som das últimas sílabas de cada verso das estrofes de três sílabas (tercetos). Ilustração de Douglas Hofstadter retirada do seu livro Le Ton Beau de Marot.


Os três livros que formam a Divina Comédia são divididos em 33 cantos cada, com aproximadamente 40 a 50 tercetos, que terminam com um verso isolado no final.


|"Dante e seu Poema". Pintura de Domenico di Michelino (1460).
Imagem pertencente à Corbis Image Collections.|


O Inferno possui um canto a mais que serve de introdução a todo o poema. No total são 100 cantos. Os lugares descritos por cada livro (o inferno, o purgatório e o paraíso) são divididos em nove círculos cada, formando no total 27 (3 vezes 3 vezes 3) níveis. Os três livros rimam no último verso, pois terminam com a mesma palavra: stelle, que significa 'estrelas'.
Dante chamou a sua obra de Comédia. O adjetivo "Divina" foi acrescido pela primeira vez em uma edição de 1555.
A Divina Comédia excerceu grande influência em poetas, músicos, pintores, cineastas e outros artistas nos últimos 700 anos. Desenhistas e pintores como Gustave Doré, Sandro Botticelli, Salvador Dali, Michelangelo e William Blake estão entre os ilustradores de sua obra. Os compositores Robert Schumann e Gioacchino Rossini traduziram partes de seu poema em música e o compositor húngaro Franz Liszt usou a Comédia como tema de um de seus poemas sinfônicos. O escultor Auguste Rodin usou a Comédia como inspiração para suas principais obras, entre elas, O Pensador, que representa o próprio Dante, O Beijo, inspirada no drama de Paolo e Francesca (Inferno, Canto V) e Ugolino e seus filhos, que retrata a tragédia do Conde Ugolino narrada no Canto XXXIII. Todas compõem sua obra-prima Porta do Inferno que representa nada menos que o Inferno de Dante.

Síntese: Inferno


Quando Dante se encontra no meio da vida, ele se vê perdido em uma floresta escura, e sua vida havia deixado de seguir o caminho certo. Ao tentar escapar da selva, ele encontra uma montanha que pode ser a sua salvação, mas é logo impedido de subir por três feras: um leopardo, um leão e uma loba. Prestes a desistir e voltar para a selva, Dante é surpreendido pelo espírito de Virgílio - poeta da antigüidade que ele admira - disposto a guiá-lo por um caminho alternativo. Virgílio foi chamado por Beatriz, paixão da infância de Dante, que o viu em apuros e decidiu ajudá-lo. Ela desceu do céu e foi buscar Virgílio no Limbo. O caminho proposto por Virgílio consiste em fazer uma viagem pelo centro da terra. Iniciando nos portais do inferno, atravessariam o mundo subterrâneo até chegar aos pés do monte do purgatório. Dali, Virgílio guiaria Dante até as portas do céu. Dante então decide seguir Virgílio que o guia e protege por toda a longa jornada através dos nove círculos do inferno, mostrando-lhe onde são expurgados os diferentes pecados, o sofrimento dos condenados, os rios infernais, suas cidades, monstros e demônios, até chegar ao centro da terra, onde vive Lúcifer. Passando por Lúcifer, conseguem escapar do inferno por um caminho subterrâneo que leva ao outro lado da terra, e assim voltar a ver o céu e as estrelas.


Síntese: Purgatório

Saindo do inferno, Dante e Virgílio se vêem diante de uma altíssima montanha: o Purgatório. A montanha é tão alta que ultrapassa a esfera do ar e penetra na esfera do fogo chegando a alcançar o céu. Na base da montanha encontram o ante-purgatório, onde aqueles que se arrependeram tardiamente dos seus pecados aguardam a oportunidade para entrar no purgatório propriamente dito. Depois de passar pelos dois níveis do ante-purgatório, os poetas atravessam um portal e iniciam sua nova odisséia, desta vez subindo cada vez mais. Passam por sete terraços, cada um mais alto que o outro, onde são expurgados cada um dos sete pecados capitais. No último círculo do purgatório, Dante se despede de Virgílio e segue acompanhado por um anjo que o leva através de um fogo que separa o purgatório do paraíso terrestre. Finalmente, às margens do rio Letes, Dante encontra Beatriz e se purifica, banhando-se nas águas do rio para que possa prosseguir viagem e subir às estrelas.


Síntese: Paraíso

O Paraíso de Dante é dividido em duas partes: uma material e uma espiritual (onde não há matéria). A parte material segue o modelo cosmológico de Ptolomeu e consiste de nove círculos formados pelos sete planetas (Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter e Saturno), o céu das estrelas fixas e o Primum Mobile - o céu cristalino e último círculo da matéria. Ainda no paraíso terrestre, Beatriz olha fixamente para o sol e Dante a acompanha até que ambos começam a elevar-se, "transumanando". Guiado por Beatriz, Dante passa pelos vários céus do paraíso e encontra personagens como São Tomás de Aquino e o imperador Justiniano. Chegando ao céu de estrelas fixas, ele é interrogado pelos santos sobre suas posições filosóficas e religiosas. Depois do interrogatório, recebe permissão para prosseguir. No céu cristalino Dante adquire uma nova capacidade visual, e passa a ter visão para compreender o mundo espiritual, onde ele encontra nove círculos angélicos, concêntricos, que giram em volta de Deus. Lá, ao receber a visão da Rosa Mística, se separa de Beatriz e tem a oportunidade de sentir o amor divino que emana diretamente de Deus, "o amor que move o Sol e as outras estrelas".
Helder da Rocha
Fontes: Enciclopédias [Encarta 97] e [Larousse 98]. Traduções da Divina Comédia de Dante [Mauro 98], [Musa 95].

Le Ton Beau de Marot - In praise of the music of language de Douglas Hofstadter - físico, escritor, tradutor e especialista em inteligência artificial, vencedor do prêmio Pulitzer pelo livro Gödel, Escher, Bach - An Eternal Golden Braid. Em um dos capítulos do seu livro dedicado à arte da tradução, Hofstadter comenta sobre a poesia de Dante e faz uma análise crítica de várias traduções de sua obra em língua inglesa.

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Porque somos como somos? A psicologia evolucionista e a natureza humana*

Por Maria Emília Yamamoto

O homem, distintamente de outras espécies, procura respostas a perguntas tais como a do título deste artigo e faz indagações sobre suas origens e características. Boa parte do conhecimento produzido na área das ciências humanas e sociais diz respeito a indagações como essa, sobre o comportamento e a natureza humanos. Uma das disciplinas que fornece algumas das respostas mais inspiradoras é a psicologia evolucionista. Esta é uma disciplina recente, multidisciplinar, que nasceu de uma síntese entre a psicologia cognitiva e a teoria da evolução, e que utiliza conhecimentos de várias outras áreas, como a neurociência e a antropologia. A abordagem evolutiva parte do pressuposto que o homem, assim como todos os outros seres vivos, é o produto de um processo evolutivo. Isto significa que nossa natureza é determinada, além de nossa cultura, pela nossa biologia. Nossas características, não apenas anatômicas, mas também neurocognitivas e de comportamento, foram selecionadas em respostas a pressões evolutivas durante o processo de nossa evolução.
O que são pressões evolutivas e como elas agem sobre os seres vivos? Darwin, ao propor a teoria da evolução, estabeleceu que o processo evolutivo só poderia ocorrer se houvesse variabilidade genética na população e se essa variabilidade influenciasse diferencialmente a sobrevivência e a reprodução. Aqueles que apresentam características que favorecem essas capacidades deixam mais descendentes e passam essas mesmas características adiante. Quando isto acontece ao longo de várias gerações essas características transformam-se em adaptações, que são traços, sejam eles anatômicos, fisiológicos ou cognitivos, que permitem ao indivíduo resolver da melhor maneira possível os problemas que o ambiente apresenta. É claro que o que é adaptativo em um ambiente não o será em outro; portanto, adaptação não é algo de absoluto, mas sim relativo ao ambiente em que o organismo se encontra, e pode mudar em função de variáveis geográficas, temporais e sociais (por ex., a densidade populacional, a composição etária ou de gênero da população, etc).
A relatividade temporal das adaptações está sempre presente, uma vez que um organismo que consegue sobreviver e reproduzir passa para seus descendentes as adaptações a aspectos do ambiente que estavam presentes em seu tempo de vida. Esta mesma adaptação pode passar para várias gerações seguintes, mesmo que o ambiente tenha mudado, pois as mudanças produzidas na população pela seleção natural podem levar um tempo muito mais longo do que as alterações do ambiente, que podem ser muito rápidas. Por exemplo, a agricultura e a pecuária surgiram há apenas 10 mil anos, o que em termos evolutivos é um período muito breve. Essas “novidades” evolutivas permitiram, entre outras coisas, a passagem de uma vida nômade para o estabelecimento de locais fixos de moradia e a produção de excesso de recursos, que deu origem a um crescimento dramático da população. Passamos então, muito rapidamente, para um modo de vida de caçador-coletor, caracterizado por pequenos grupos nômades, com alto grau de parentesco, para grupos urbanos em cidades superpopuladas, nas quais cruzamos todos os dias com pessoas que nunca mais veremos novamente. Esse período de 10 mil anos foi insuficiente para que várias das adaptações ao modo de vida caçador-coletor fossem substituídas por adaptações a aspectos mais recentes do meio ambiente. Podemos então dizer que somos criaturas pré-históricas vivendo em um mundo moderno e, como tal, mantemos vários traços que respondem a desafios enfrentados por nossos ancestrais em um passado distante, o Ambiente de Adaptação Evolutiva (AAE).
Quando o ambiente muda, o comportamento pode se mostrar inadequado às novas circunstâncias. Obviamente, as pressões seletivas podem levar à evolução de novas adaptações, porém, o tempo necessário para que elas evoluam é sempre muito mais longo do que o necessário para que as alterações ambientais ocorram. Em consequência, alguns dos comportamentos que exibimos estão mais bem adaptados ao AAE do que ao ambiente atual. Ao analisar o comportamento é importante considerar, portanto, não apenas as causas presentes no tempo de vida do indivíduo, ou causas próximas, mas também como nossa natureza foi moldada pelos desafios que nossos ancestrais tiveram que enfrentar, e que resultaram em uma espécie com as características que reconhecemos como humanas. Em outras palavras, somos como somos porque nossa espécie e as espécies que a antecederam superaram desafios colocados pelo ambiente que levaram à modelagem da natureza humana, e porque com essa mesma natureza básica hoje enfrentamos um ambiente em grande parte diferente daquele no qual ela foi moldada.
Porém, nosso comportamento parece tão distinto do de nossos ancestrais que é difícil aceitar que somos de fato os mesmos. Na realidade, somos o produto de nossa biologia tanto quanto o somos de nossa cultura. A espécie humana, talvez mais do que qualquer outra espécie, apresenta uma incrível plasticidade comportamental que é considerada um dos padrões mais importantes na história da evolução humana e que responde por essa incrível diversidade entre as várias populações humanas.
Vou discutir dois exemplos que mostram o efeito conjunto do ambiente e das experiências pessoais, aí incluída a cultura, na expressão do comportamento e a manutenção de traços selecionados em nosso passado evolutivo, evidenciando o descompasso temporal mencionado acima.
Neofobia e neofilia: o que comer?
A vida humana, como a dos animais, gira, em grande parte, em torno da alimentação. Obter alimentos e comê-los era, provavelmente, uma atividade de alto custo para nossos ancestrais, pelo tempo que ocupava e pelos riscos envolvidos. Durante a maior parte da evolução humana, nossos ancestrais, como qualquer animal selvagem, tinham que sobreviver daquilo que conseguiam retirar da natureza. Quanto os nossos corpos e mentes foram transformados pela mudança de um ambiente ancestral para outro moderno? No ambiente ancestral (o AAE, já discutido anteriormente), alimentos potenciais eram raros e perigosos, animais e plantas apresentavam defesas químicas, mecânicas e comportamentais desenvolvidas para não sofrer predação. Em contraste, atualmente a alimentação deixou de ter um caráter puramente nutricional e passou a ser vista como culinária e/ou gastronomia, onde o mais importante não é necessariamente a presença de alimento, mas sim o ambiente de degustação, o aparato de apresentação, o prestígio do local. Certamente, mudamos muito. Porém, surpreendentemente, ainda carregamos em nossos genes hábitos que eram adaptativos às demandas apresentadas pelo ambiente ancestral e que hoje, diante das alterações das condições de vida, não mais o são.
Nosso aparato sensorial, herança de nossos ancestrais, nos prepara para lidar com os alimentos disponíveis no ambiente. Nossas predisposições em preferir alguns sabores em relação a outros, foi moldada em um ambiente de adaptação evolutiva. Não respondemos apenas aos sabores – respondemos à familiaridade que temos com os alimentos. Não por acaso, cada cultura tem sua culinária típica, que é um dos padrões mais duradouros quando há mudança de ambiente. Grupos étnicos que se mudam para outro local ou país mantém suas tradições culinárias mesmo quando outros aspectos são abandonados em favor daqueles presentes no novo local. A relutância em experimentar alimentos novos é chamada pelos nutricionistas de neofobia alimentar, assim como a predisposição em aceitar alimentos novos é chamado de neofilia alimentar.
A neofobia e a neofilia alimentar provavelmente trouxeram vantagens adaptativas a nossos ancestrais. Ampliar a variabilidade na composição da dieta significava aumentar as chances de encontrar alimentos, mas ser cauteloso com um alimento desconhecido significava evitar ingerir algo tóxico ou prejudicial à saúde. Isto coloca um dilema a todas as espécies que são onívoras (que têm uma dieta ampla e diversificada), e que nos acompanha, como espécie onívora que somos, até hoje. O pesquisador canadense Paul Rozin chama este fenômeno de dilema do onívoro, que se estabelece quando um indivíduo tem boas razões tanto para aceitar (ampliação da dieta) quanto para rejeitar (possibilidade de envenenamento ou intoxicação) alimentos novos.
Ao longo da evolução, vários mecanismos se desenvolveram para lidar com este dilema, de modo a permitir a incorporação de alimentos novos e, ao mesmo tempo, tentar diminuir os riscos. Embora, no ambiente moderno, os riscos envolvidos na incorporação de novos alimentos sejam muito pequenos, conservamos tanto a relutância relativa aos novos alimentos quanto os mecanismos de facilitação de sua aceitação.
O mais simples desses mecanismos deriva-se de nosso aparato sensorial, que responde diferencialmente aos diferentes gostos. Desde muito cedo mostramos preferência pelos gostos doce e salgado e rejeição aos azedo e amargo. Estas preferências provavelmente protegeram nossos ancestrais, pois alimentos que contém substâncias tóxicas em geral têm gosto azedo ou, mais frequentemente, amargo.
Outro mecanismo, este exclusivamente humano, é o chamado princípio do sabor. Este procedimento consiste em adicionar familiaridade a alimentos desconhecidos ou exóticos através do uso de condimentos característicos de uma cultura. Este princípio dá a um alimento novo um “certificado de segurança” e fornece uma solução cultural ao dilema do onívoro, compatibilizando a disponibilidade de alimentos com a predisposição de aceitar o que é conhecido, característico do seu humano.
Outro fator que parece influenciar os padrões alimentares é a presença de outras pessoas. Uma refeição é um evento social e a presença de outros pode aumentar a probabilidade de aceitação de alimentos novos, fato que vem sendo chamado na literatura científica de facilitação social. Estudos encontraram uma correlação positiva entre número de pessoas durante uma refeição e a quantidade de alimento ingerido, ou seja, quanto maior o número de pessoas durante uma refeição, maior a quantidade de alimento ingerido pelas pessoas. Este mecanismo funciona com incentivos explícitos, por exemplo, quando são emitidas opiniões sobre os alimentos sendo oferecidos, como também através do modelo, pois mesmo quando não são emitidas opiniões, a simples presença de outras pessoas se alimentando favorece a ingestão de novos alimentos. Novamente, o grupo social age como garantia da qualidade do alimento, o que provavelmente foi um indicador importante para nossos ancestrais. O que outros comiam sem consequências danosas poderia ser incorporado à dieta com segurança.
Quando somamos nossas predisposições genéticas na preferência pelos gostos básicos às características ambientais e culturais chegamos a uma complexa rede de influências sobre o comportamento alimentar moldada pelo processo evolutivo.
Porém, atualmente, novas preocupações – que nunca estiveram presentes em nossos ancestrais – nos perseguem: o sobrepeso e a obesidade. Especialmente na sociedade ocidental há alimentos em excesso. Desses, parecemos preferir aqueles que são gordurosos e doces, exatamente aqueles que os médicos nos sugerem evitar. Infelizmente, assim como herdamos preferência pelos gostos básicos, também herdamos de nossos ancestrais um grande apetite, especialmente por alimentos gordurosos e doces. No ambiente no qual nossos ancestrais viveram, esses tipos de alimento eram escassos ou os nutrientes eram pouco concentrados nos alimentos disponíveis. Por esta razão, nossos ancestrais gastavam grande parte do tempo à procura de alimentos para suprir as necessidades de gorduras e açúcares e, quando os encontravam, provavelmente consumiam em grande quantidade; afinal, não podiam prever quando os encontrariam novamente. Além disso, a própria atividade de procura de alimento e a vida nômade faziam deste nosso ancestral um indivíduo extremamente ativo, ao contrário do sedentarismo da moderna vida urbana. Respondemos ao alimento e à atividade física como se vivêssemos em um mundo com escassez de alimentos ricos em gorduras e açúcares e com exigência de altos níveis de atividade física. Resultado: excesso de peso.
Tendo em vista esse grande apetite herdado e a disponibilidade de alimentos durante todo o ano, processados de forma a se tornarem mais saborosos (com maior concentração de açúcares e gordura), não é de estranhar que o problema de sobrepeso tenha adquirido grande destaque em nossa sociedade. Com os alimentos disponíveis conseguimos suprir nossa necessidade diária de nutrientes e ingerimos facilmente mais do que precisamos. No passado evolutivo, nossos ancestrais enfrentaram problemas de saúde pela falta de gordura e açúcares na dieta. Hoje, enfrentamos problemas de saúde pelo excesso de gordura e açúcares.
Porém, neofilia e obesidade estão relacionadas? Não necessariamente. Neofilia e neofobia dizem respeito à diversidade da dieta, não à quantidade de alimentos ingeridos. Neofóbicos regulam o que comem, não o quanto comem. Dessa maneira, um indivíduo pode comer muito de alguns poucos itens alimentares (neofóbico) enquanto outro pode comer pouco de uma quantidade muito variada de alimentos (neofílico). Então, pode-se observar um obeso que assim o é por comer quantidades exageradas apenas de feijão com farinha, ou por comer uma diversidade de alimentos de todas as partes do mundo, também em quantidade exagerada.
Cooperação e coalizão de grupo: o círculo virtuoso
Nos vários jogos sociais aos quais somos chamados a participar, na vida cotidiana, nosso maior problema é atrair o parceiro certo. Uma vez identificado, um parceiro confiável pode vir a se tornar um parceiro frequente e levar à exclusão dos parceiros que preferem não cooperar. Por exemplo, preferimos escolher para uma atividade conjunta no trabalho ou na escola aqueles que sabemos, em geral por experiência anterior, que não se negam a trabalhar duro e que não fazem “corpo mole”. Estes podem ser chamados de virtuosos, que assim agem porque isso lhes permite somar forças com outros, também virtuosos, em benefício de todos os virtuosos. É o que eu chamo do círculo virtuoso.
Nossos ancestrais caçadores-coletores formavam grupos extremamente pacíficos e igualitários. No entanto, a análise da vida de caçadores-coletores modernos, como os que ocorrem na Nova Guiné, mostra que a taxa de morte por homicídio é muito maior da que ocorre nas sociedades urbanas ocidentais modernas. A aparente contradição se explica pelo fato de que esses homicídios têm lugar, fundamentalmente, nas disputas entre grupos. A pressão evolutiva pode jogar grupos contra grupos e, na espécie humana, dar origem ao conhecido nós versus eles. Como isto acontece?
Ruth Mace, uma pesquisadora do College of London, sugere que as próprias culturas levantam barreiras ao movimento de pessoas e ideias, mesmo hoje em dia. Embora isto tenha sido muito atenuado em função das facilidades de transportes e de comunicação, durante a evolução humana a proteção do grupo era crucial. Historicamente, grupos não apenas desempenhavam tarefas de forma cooperativa, mas também protegiam seu território contra outros grupos humanos. Dessa forma, era importante reconhecer os que pertenciam ao grupo e desconfiar de estranhos. Uma das formas de fazer isto é identificar indivíduos que são aliados ou que pertencem a um determinado grupo. Há várias maneiras de fazer tais identificações, como a distribuição espacial (quem anda com quem), a linguagem ou mesmo o sotaque, o vestuário e outras características comuns.
Esta identificação permite, por um lado, a cooperação intragrupo e, por outro lado, a alienação e a hostilidade aos que não pertencem ao grupo. Ridley (2000) cita a análise que John Hartung faz da frase judaico-cristã “ama teu próximo como a ti mesmo”, que conclui que a frase foi cunhada, por Moisés, em um momento de grande desavença entre os israelitas. O objetivo era unir o grupo e próximo refere-se especificamente aos filhos do povo, ou seja, aos outros israelitas. Exortações à moralidade e à cooperação são dirigidas ao grupo de pertinência, visam aumentar a coesão do grupo e, dessa forma, torná-lo mais forte na competição contra outros grupos.
Grupos étnicos têm rituais e padrões que os tornam facilmente identificáveis. O conceito de raça, ou subespécie, no entanto, foi completamente desmantelado pela biologia evolutiva. As dificuldades que se apresentam para a classificação de indivíduos polimórficos, de populações extremamente variáveis, em tipos bem definidos, são enormes. Nós brasileiros, por exemplo, que vivemos em uma sociedade com alto grau de miscigenação, temos muitas dificuldades de classificar as pessoas em função de sua etnia, principalmente aqueles indivíduos que representam a mistura de várias etnias. Consequentemente, os biólogos evolucionistas não consideram raça um conceito que vale a pena ser empregado. No entanto, isto não impede que as pessoas, intuitivamente, julguem que a categorização de pessoas em função principalmente da cor da pele é tarefa simples. Obviamente, esta crença não se baseia no conceito biológico de raça –frequentemente, a avaliação feita pelo olho humano não informado é um guia pouco fidedigno quanto ao grau de diferenciação biológica. Porém, é esta base pouco segura no que diz respeito às relações raciais, dando origem, no pior dos casos, a preconceito e discriminação e, em outros, à identificação de pretensas características raciais.
No entanto, a categorização do mundo em nós versus eles deu origem a alguns dos mais terríveis conflitos na história da humanidade, como é o caso de Kosovo, Ruanda ou o Holocausto. Pesquisas mostraram que o etnocentrismo, o favorecimento de seu próprio grupo e a indiferença ou hostilidade em relação a grupos externos, existe em todas as culturas. Esses estudos sugerem que: a) a cooperação intragrupo e a competição intergrupo são fáceis de provocar; b) a cultura do nós versus eles é universal e é desencadeada por alguns tipos de situações sociais; c) a pertinência a um ou outro grupo pode mudar rapidamente.
Um grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Berkeley, liderado por Leda Cosmides, examinou essas questões à luz de um problema que é especialmente aflitivo para nós, o preconceito racial. Estes autores apresentaram, a dois grupos de sujeitos, situações nas quais havia um conflito entre grupos rivais, com combinações raciais semelhantes entre seus componentes, isto é, os grupos eram compostos de números iguais de brancos e negros. A apresentação do conflito se dava através do relato daquilo que os indivíduos falavam. Porém, em uma das situações, todos os indivíduos vestiam camisetas de mesma cor; na outra situação os indivíduos do mesmo grupo vestiam camisetas da mesma cor, mas os dois grupos vestiam camisetas de cores diferentes. Dessa maneira, era fornecido um segundo identificador da pertinência ao grupo, além daquilo que os indivíduos falavam. A situação experimental consistia em um teste no qual o participante tinha que se lembrar quem, entre indivíduos que supostamente pertenciam a dois times de basquete, havia dito uma determinada frase. Esta era uma tarefa difícil porque havia muitas frases para serem lembradas; consequentemente, havia muitos erros. O que interessava ao grupo de pesquisadores era o tipo de erro cometido. Os participantes podiam confundir indivíduos que tinham a mesma cor de pele, mas que pertenciam a grupos diferentes, o que indicava que o critério de codificação era apenas a cor da pele; podiam confundir indivíduos que tinham a mesma cor de pele, mas pertenciam a grupos diferentes, o que indicava que o critério de codificação era duplo, a cor da pele e a pertinência ao grupo; e podiam confundir indivíduos que não tinham a mesma cor de pele, mas pertenciam ao mesmo grupo, o que indicava que o critério de codificação era apenas a pertinência ao grupo; finalmente, os participantes podiam confundir indivíduos que não tinham a mesma cor de pele e nem pertenciam ao mesmo grupo, o que indicava apenas um erro de memória. Os erros do grupo exposto à primeira condição (camisetas da mesma cor) eram em sua maioria erros de codificação nos quais confundiam indivíduos de uma cor de pele com outro indivíduo com a mesma cor de pele. Por outro lado, o grupo exposto à segunda condição (camisetas de cores diferentes) cometeu muito menos erros de codificação relativos à cor da pele e mais erros relativos à codificação da pertinência ao grupo. Isto é, para o segundo grupo a cor da pele foi um critério que perdeu importância na identificação de quem pertencia a qual grupo. Foi possível demonstrar, através de um procedimento chamado de protocolo de confusão de memória, que a codificação de raça podia ser diminuída, e até eliminada, no segundo caso, reforçando a ideia que a raça serve como um indicador de pertinência ao grupo na ausência de outros indicadores mais claros, no caso, a cor da camiseta.
A partir desses resultados os pesquisadores propuseram que a codificação de raça era uma expressão de uma psicologia subjacente de alianças: um conjunto de programas mentais típicos da espécie que evoluiu para regular a cooperação intragrupo e o conflito entre grupos no mundo desaparecido de nossos ancestrais caçadores-coletores. Se isto estiver correto, então a codificação racial pode não ser inevitável, como proposto por vários psicólogos. Ao invés disso, a tendência a categorizar os indivíduos pela sua raça pode ser um efeito colateral, altamente volátil e mutável, de programas cuja função adaptativa é detectar mudanças em alianças e coalizões. Uma implicação deste ponto de vista é que a codificação racial irá diminuir sempre que: (i) houver um conflito entre grupos rivais; (ii) a raça não for um preditor da pertinência de grupo, e (iii) outras pistas, facilmente detectáveis forem preditores de pertinência (por exemplo, cor da camisa, crachás, time de futebol, etc).
Cosmides e colaboradores propõem que as pesquisas relatadas acima sugerem quatro conclusões: a) a mente humana possui uma característica universal que consiste em um conjunto de programas específicos da espécie, que evoluíram para regular a cooperação intragrupo e o conflito intergrupo em nosso ancestrais caçadores-coletores; b) quando ativados, esses programas levam as pessoas a avaliar situações que envolvem grupos rivais (nós versus eles) favoravelmente aos grupos de pertinência (nós) e contra grupos externos (eles); c) um sub-conjunto desses programas representa uma especialização para a detecção de alianças (quem está aliado a quem); d) categorias raciais e étnicas consistem um sub-produto desses mecanismos de identificação de alianças e podem ser facilmente erradicadas. A seleção natural nos dotou com mecanismos psicológicos que nos permitem identificar rapidamente indivíduos como pertinentes ao nosso grupo ou a outro grupo, e esta codificação dirige nosso comportamento. Somos, portanto, animais sociais que favorecem seu grupo porque o fortalecimento do grupo, o círculo virtuoso, beneficia cada um dos indivíduos que pertencem a ele. Porém, estes mecanismos psicológicos são afetados pelas experiências que temos ao longo da vida. Comparamos participantes de sete estados brasileiros, que apresentavam diferentes composições raciais de sua população (de acordo com os dados do censo), através do mesmo procedimento utilizado por Cosmides e verificamos que os estados com uma maioria de pardos mostraram um decréscimo mais acentuado na codificação de raça na condição em que havia uma diferença entre os grupos (camisetas de cores diferentes). Aparentemente, a exposição a um ambiente no qual há maior integração racial diminui a importância da raça na identificação de pertinência a um grupo.
Considerações finais
Vimos como nossa mente foi moldada ao longo do processo evolutivo para tomarmos decisões sobre coisas tão diversas como o que comer ou com quem cooperar. Este tipo de pensamento, evolucionista, tem frequentemente sido associado com determinismo genético, isto é, com a ideia que o comportamento é controlado exclusivamente pelos genes, sem haver espaço para influências ambientais. Isto fica evidente quando se fala em gene para um comportamento ou traço como, por exemplo, o “gene do homossexualismo” ou o “gene da obesidade”. Afirmações como estas são, é claro, bobagens. Os genes não determinam nosso comportamento, antes fornecem os mecanismos que nos permitem apreender informações do meio. A observação do desenvolvimento de crianças é talvez o exemplo mais fascinante dessa interação biologia-meio ambiente. Recém nascidos respondem ao seu meio de forma seletiva, prestando mais atenção e respondendo aos estímulos que fazem mais sentido do ponto de vista evolutivo, isto é, que lhe permitirão se adaptar e aprender ao ambiente no qual irão viver. É o caso da linguagem e de outros estímulos sociais. Isto sugere que o bebê já nasce equipado para interagir de forma diferencial com seu meio e a aprender aquelas habilidades que serão importantes para a sua integração à cultura na qual nasceu: que língua falar, que alimentos comer, com quem interagir e cooperar.
A oposição do biológico ao cultural está baseada, fundamentalmente, em duas falácias a respeito das características genéticas: que elas são invariáveis e que não são influenciadas pelo ambiente. Na realidade, a biologia (ou os genes ou o instinto) estabelece os limites da aprendizagem, marca as fronteiras da flexibilidade, ou, como gostamos de dizer em psicologia, delimita a amplitude das diferenças individuais. O ser humano demonstra, por sua natureza biológica, extrema plasticidade comportamental. Por outro lado, também por natureza, é social. A combinação da plasticidade com a sociabilidade (que é de fundo biológico, pois faz parte da natureza humana) resulta em diferenças individuais, sociais, culturais. Nem por isso deixamos, cada um de nós, apesar de nossas diferenças, de ser humanos.
Maria Emília Yamamoto é professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), ligada ao Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia, e coordena o Projeto do Instituto do Milênio em Psicologia Evolucionista.
(*) Artigo originalmente publicado na revista Ciência Sempre, Vol. 4, p.12-17, 2008.
Para saber mais:
- Número especial da revista Psique sobre psicologia evolucionista, ano II, no. 6, 2007.
- Pinker, S. O instinto da linguagem. São Paulo, Martins Fontes. 2002.
- Rose, M. O espectro de Darwin. Rio de Janeiro, Zahar. 2000.
- Wright, R. O animal moral: porque somos como somos: a nova ciência da psicologia evolucionista. Rio de Janeiro, Campus. 1996.
Com Ciência - SBPC/Labjor

O homem, distintamente de outras espécies, procura respostas a perguntas tais como a do título deste artigo e faz indagações sobre suas origens e características. Boa parte do conhecimento produzido na área das ciências humanas e sociais diz respeito a indagações como essa, sobre o comportamento e a natureza humanos. Uma das disciplinas que fornece algumas das respostas mais inspiradoras é a psicologia evolucionista. Esta é uma disciplina recente, multidisciplinar, que nasceu de uma síntese entre a psicologia cognitiva e a teoria da evolução, e que utiliza conhecimentos de várias outras áreas, como a neurociência e a antropologia. A abordagem evolutiva parte do pressuposto que o homem, assim como todos os outros seres vivos, é o produto de um processo evolutivo. Isto significa que nossa natureza é determinada, além de nossa cultura, pela nossa biologia. Nossas características, não apenas anatômicas, mas também neurocognitivas e de comportamento, foram selecionadas em respostas a pressões evolutivas durante o processo de nossa evolução.
O que são pressões evolutivas e como elas agem sobre os seres vivos? Darwin, ao propor a teoria da evolução, estabeleceu que o processo evolutivo só poderia ocorrer se houvesse variabilidade genética na população e se essa variabilidade influenciasse diferencialmente a sobrevivência e a reprodução. Aqueles que apresentam características que favorecem essas capacidades deixam mais descendentes e passam essas mesmas características adiante. Quando isto acontece ao longo de várias gerações essas características transformam-se em adaptações, que são traços, sejam eles anatômicos, fisiológicos ou cognitivos, que permitem ao indivíduo resolver da melhor maneira possível os problemas que o ambiente apresenta. É claro que o que é adaptativo em um ambiente não o será em outro; portanto, adaptação não é algo de absoluto, mas sim relativo ao ambiente em que o organismo se encontra, e pode mudar em função de variáveis geográficas, temporais e sociais (por ex., a densidade populacional, a composição etária ou de gênero da população, etc).
A relatividade temporal das adaptações está sempre presente, uma vez que um organismo que consegue sobreviver e reproduzir passa para seus descendentes as adaptações a aspectos do ambiente que estavam presentes em seu tempo de vida. Esta mesma adaptação pode passar para várias gerações seguintes, mesmo que o ambiente tenha mudado, pois as mudanças produzidas na população pela seleção natural podem levar um tempo muito mais longo do que as alterações do ambiente, que podem ser muito rápidas. Por exemplo, a agricultura e a pecuária surgiram há apenas 10 mil anos, o que em termos evolutivos é um período muito breve. Essas “novidades” evolutivas permitiram, entre outras coisas, a passagem de uma vida nômade para o estabelecimento de locais fixos de moradia e a produção de excesso de recursos, que deu origem a um crescimento dramático da população. Passamos então, muito rapidamente, para um modo de vida de caçador-coletor, caracterizado por pequenos grupos nômades, com alto grau de parentesco, para grupos urbanos em cidades superpopuladas, nas quais cruzamos todos os dias com pessoas que nunca mais veremos novamente. Esse período de 10 mil anos foi insuficiente para que várias das adaptações ao modo de vida caçador-coletor fossem substituídas por adaptações a aspectos mais recentes do meio ambiente. Podemos então dizer que somos criaturas pré-históricas vivendo em um mundo moderno e, como tal, mantemos vários traços que respondem a desafios enfrentados por nossos ancestrais em um passado distante, o Ambiente de Adaptação Evolutiva (AAE).
Quando o ambiente muda, o comportamento pode se mostrar inadequado às novas circunstâncias. Obviamente, as pressões seletivas podem levar à evolução de novas adaptações, porém, o tempo necessário para que elas evoluam é sempre muito mais longo do que o necessário para que as alterações ambientais ocorram. Em consequência, alguns dos comportamentos que exibimos estão mais bem adaptados ao AAE do que ao ambiente atual. Ao analisar o comportamento é importante considerar, portanto, não apenas as causas presentes no tempo de vida do indivíduo, ou causas próximas, mas também como nossa natureza foi moldada pelos desafios que nossos ancestrais tiveram que enfrentar, e que resultaram em uma espécie com as características que reconhecemos como humanas. Em outras palavras, somos como somos porque nossa espécie e as espécies que a antecederam superaram desafios colocados pelo ambiente que levaram à modelagem da natureza humana, e porque com essa mesma natureza básica hoje enfrentamos um ambiente em grande parte diferente daquele no qual ela foi moldada.
Porém, nosso comportamento parece tão distinto do de nossos ancestrais que é difícil aceitar que somos de fato os mesmos. Na realidade, somos o produto de nossa biologia tanto quanto o somos de nossa cultura. A espécie humana, talvez mais do que qualquer outra espécie, apresenta uma incrível plasticidade comportamental que é considerada um dos padrões mais importantes na história da evolução humana e que responde por essa incrível diversidade entre as várias populações humanas.
Vou discutir dois exemplos que mostram o efeito conjunto do ambiente e das experiências pessoais, aí incluída a cultura, na expressão do comportamento e a manutenção de traços selecionados em nosso passado evolutivo, evidenciando o descompasso temporal mencionado acima.
Neofobia e neofilia: o que comer?
A vida humana, como a dos animais, gira, em grande parte, em torno da alimentação. Obter alimentos e comê-los era, provavelmente, uma atividade de alto custo para nossos ancestrais, pelo tempo que ocupava e pelos riscos envolvidos. Durante a maior parte da evolução humana, nossos ancestrais, como qualquer animal selvagem, tinham que sobreviver daquilo que conseguiam retirar da natureza. Quanto os nossos corpos e mentes foram transformados pela mudança de um ambiente ancestral para outro moderno? No ambiente ancestral (o AAE, já discutido anteriormente), alimentos potenciais eram raros e perigosos, animais e plantas apresentavam defesas químicas, mecânicas e comportamentais desenvolvidas para não sofrer predação. Em contraste, atualmente a alimentação deixou de ter um caráter puramente nutricional e passou a ser vista como culinária e/ou gastronomia, onde o mais importante não é necessariamente a presença de alimento, mas sim o ambiente de degustação, o aparato de apresentação, o prestígio do local. Certamente, mudamos muito. Porém, surpreendentemente, ainda carregamos em nossos genes hábitos que eram adaptativos às demandas apresentadas pelo ambiente ancestral e que hoje, diante das alterações das condições de vida, não mais o são.
Nosso aparato sensorial, herança de nossos ancestrais, nos prepara para lidar com os alimentos disponíveis no ambiente. Nossas predisposições em preferir alguns sabores em relação a outros, foi moldada em um ambiente de adaptação evolutiva. Não respondemos apenas aos sabores – respondemos à familiaridade que temos com os alimentos. Não por acaso, cada cultura tem sua culinária típica, que é um dos padrões mais duradouros quando há mudança de ambiente. Grupos étnicos que se mudam para outro local ou país mantém suas tradições culinárias mesmo quando outros aspectos são abandonados em favor daqueles presentes no novo local. A relutância em experimentar alimentos novos é chamada pelos nutricionistas de neofobia alimentar, assim como a predisposição em aceitar alimentos novos é chamado de neofilia alimentar.
A neofobia e a neofilia alimentar provavelmente trouxeram vantagens adaptativas a nossos ancestrais. Ampliar a variabilidade na composição da dieta significava aumentar as chances de encontrar alimentos, mas ser cauteloso com um alimento desconhecido significava evitar ingerir algo tóxico ou prejudicial à saúde. Isto coloca um dilema a todas as espécies que são onívoras (que têm uma dieta ampla e diversificada), e que nos acompanha, como espécie onívora que somos, até hoje. O pesquisador canadense Paul Rozin chama este fenômeno de dilema do onívoro, que se estabelece quando um indivíduo tem boas razões tanto para aceitar (ampliação da dieta) quanto para rejeitar (possibilidade de envenenamento ou intoxicação) alimentos novos.
Ao longo da evolução, vários mecanismos se desenvolveram para lidar com este dilema, de modo a permitir a incorporação de alimentos novos e, ao mesmo tempo, tentar diminuir os riscos. Embora, no ambiente moderno, os riscos envolvidos na incorporação de novos alimentos sejam muito pequenos, conservamos tanto a relutância relativa aos novos alimentos quanto os mecanismos de facilitação de sua aceitação.
O mais simples desses mecanismos deriva-se de nosso aparato sensorial, que responde diferencialmente aos diferentes gostos. Desde muito cedo mostramos preferência pelos gostos doce e salgado e rejeição aos azedo e amargo. Estas preferências provavelmente protegeram nossos ancestrais, pois alimentos que contém substâncias tóxicas em geral têm gosto azedo ou, mais frequentemente, amargo.
Outro mecanismo, este exclusivamente humano, é o chamado princípio do sabor. Este procedimento consiste em adicionar familiaridade a alimentos desconhecidos ou exóticos através do uso de condimentos característicos de uma cultura. Este princípio dá a um alimento novo um “certificado de segurança” e fornece uma solução cultural ao dilema do onívoro, compatibilizando a disponibilidade de alimentos com a predisposição de aceitar o que é conhecido, característico do seu humano.
Outro fator que parece influenciar os padrões alimentares é a presença de outras pessoas. Uma refeição é um evento social e a presença de outros pode aumentar a probabilidade de aceitação de alimentos novos, fato que vem sendo chamado na literatura científica de facilitação social. Estudos encontraram uma correlação positiva entre número de pessoas durante uma refeição e a quantidade de alimento ingerido, ou seja, quanto maior o número de pessoas durante uma refeição, maior a quantidade de alimento ingerido pelas pessoas. Este mecanismo funciona com incentivos explícitos, por exemplo, quando são emitidas opiniões sobre os alimentos sendo oferecidos, como também através do modelo, pois mesmo quando não são emitidas opiniões, a simples presença de outras pessoas se alimentando favorece a ingestão de novos alimentos. Novamente, o grupo social age como garantia da qualidade do alimento, o que provavelmente foi um indicador importante para nossos ancestrais. O que outros comiam sem consequências danosas poderia ser incorporado à dieta com segurança.
Quando somamos nossas predisposições genéticas na preferência pelos gostos básicos às características ambientais e culturais chegamos a uma complexa rede de influências sobre o comportamento alimentar moldada pelo processo evolutivo.
Porém, atualmente, novas preocupações – que nunca estiveram presentes em nossos ancestrais – nos perseguem: o sobrepeso e a obesidade. Especialmente na sociedade ocidental há alimentos em excesso. Desses, parecemos preferir aqueles que são gordurosos e doces, exatamente aqueles que os médicos nos sugerem evitar. Infelizmente, assim como herdamos preferência pelos gostos básicos, também herdamos de nossos ancestrais um grande apetite, especialmente por alimentos gordurosos e doces. No ambiente no qual nossos ancestrais viveram, esses tipos de alimento eram escassos ou os nutrientes eram pouco concentrados nos alimentos disponíveis. Por esta razão, nossos ancestrais gastavam grande parte do tempo à procura de alimentos para suprir as necessidades de gorduras e açúcares e, quando os encontravam, provavelmente consumiam em grande quantidade; afinal, não podiam prever quando os encontrariam novamente. Além disso, a própria atividade de procura de alimento e a vida nômade faziam deste nosso ancestral um indivíduo extremamente ativo, ao contrário do sedentarismo da moderna vida urbana. Respondemos ao alimento e à atividade física como se vivêssemos em um mundo com escassez de alimentos ricos em gorduras e açúcares e com exigência de altos níveis de atividade física. Resultado: excesso de peso.
Tendo em vista esse grande apetite herdado e a disponibilidade de alimentos durante todo o ano, processados de forma a se tornarem mais saborosos (com maior concentração de açúcares e gordura), não é de estranhar que o problema de sobrepeso tenha adquirido grande destaque em nossa sociedade. Com os alimentos disponíveis conseguimos suprir nossa necessidade diária de nutrientes e ingerimos facilmente mais do que precisamos. No passado evolutivo, nossos ancestrais enfrentaram problemas de saúde pela falta de gordura e açúcares na dieta. Hoje, enfrentamos problemas de saúde pelo excesso de gordura e açúcares.
Porém, neofilia e obesidade estão relacionadas? Não necessariamente. Neofilia e neofobia dizem respeito à diversidade da dieta, não à quantidade de alimentos ingeridos. Neofóbicos regulam o que comem, não o quanto comem. Dessa maneira, um indivíduo pode comer muito de alguns poucos itens alimentares (neofóbico) enquanto outro pode comer pouco de uma quantidade muito variada de alimentos (neofílico). Então, pode-se observar um obeso que assim o é por comer quantidades exageradas apenas de feijão com farinha, ou por comer uma diversidade de alimentos de todas as partes do mundo, também em quantidade exagerada.
Cooperação e coalizão de grupo: o círculo virtuoso
Nos vários jogos sociais aos quais somos chamados a participar, na vida cotidiana, nosso maior problema é atrair o parceiro certo. Uma vez identificado, um parceiro confiável pode vir a se tornar um parceiro frequente e levar à exclusão dos parceiros que preferem não cooperar. Por exemplo, preferimos escolher para uma atividade conjunta no trabalho ou na escola aqueles que sabemos, em geral por experiência anterior, que não se negam a trabalhar duro e que não fazem “corpo mole”. Estes podem ser chamados de virtuosos, que assim agem porque isso lhes permite somar forças com outros, também virtuosos, em benefício de todos os virtuosos. É o que eu chamo do círculo virtuoso.
Nossos ancestrais caçadores-coletores formavam grupos extremamente pacíficos e igualitários. No entanto, a análise da vida de caçadores-coletores modernos, como os que ocorrem na Nova Guiné, mostra que a taxa de morte por homicídio é muito maior da que ocorre nas sociedades urbanas ocidentais modernas. A aparente contradição se explica pelo fato de que esses homicídios têm lugar, fundamentalmente, nas disputas entre grupos. A pressão evolutiva pode jogar grupos contra grupos e, na espécie humana, dar origem ao conhecido nós versus eles. Como isto acontece?
Ruth Mace, uma pesquisadora do College of London, sugere que as próprias culturas levantam barreiras ao movimento de pessoas e ideias, mesmo hoje em dia. Embora isto tenha sido muito atenuado em função das facilidades de transportes e de comunicação, durante a evolução humana a proteção do grupo era crucial. Historicamente, grupos não apenas desempenhavam tarefas de forma cooperativa, mas também protegiam seu território contra outros grupos humanos. Dessa forma, era importante reconhecer os que pertenciam ao grupo e desconfiar de estranhos. Uma das formas de fazer isto é identificar indivíduos que são aliados ou que pertencem a um determinado grupo. Há várias maneiras de fazer tais identificações, como a distribuição espacial (quem anda com quem), a linguagem ou mesmo o sotaque, o vestuário e outras características comuns.
Esta identificação permite, por um lado, a cooperação intragrupo e, por outro lado, a alienação e a hostilidade aos que não pertencem ao grupo. Ridley (2000) cita a análise que John Hartung faz da frase judaico-cristã “ama teu próximo como a ti mesmo”, que conclui que a frase foi cunhada, por Moisés, em um momento de grande desavença entre os israelitas. O objetivo era unir o grupo e próximo refere-se especificamente aos filhos do povo, ou seja, aos outros israelitas. Exortações à moralidade e à cooperação são dirigidas ao grupo de pertinência, visam aumentar a coesão do grupo e, dessa forma, torná-lo mais forte na competição contra outros grupos.
Grupos étnicos têm rituais e padrões que os tornam facilmente identificáveis. O conceito de raça, ou subespécie, no entanto, foi completamente desmantelado pela biologia evolutiva. As dificuldades que se apresentam para a classificação de indivíduos polimórficos, de populações extremamente variáveis, em tipos bem definidos, são enormes. Nós brasileiros, por exemplo, que vivemos em uma sociedade com alto grau de miscigenação, temos muitas dificuldades de classificar as pessoas em função de sua etnia, principalmente aqueles indivíduos que representam a mistura de várias etnias. Consequentemente, os biólogos evolucionistas não consideram raça um conceito que vale a pena ser empregado. No entanto, isto não impede que as pessoas, intuitivamente, julguem que a categorização de pessoas em função principalmente da cor da pele é tarefa simples. Obviamente, esta crença não se baseia no conceito biológico de raça –frequentemente, a avaliação feita pelo olho humano não informado é um guia pouco fidedigno quanto ao grau de diferenciação biológica. Porém, é esta base pouco segura no que diz respeito às relações raciais, dando origem, no pior dos casos, a preconceito e discriminação e, em outros, à identificação de pretensas características raciais.
No entanto, a categorização do mundo em nós versus eles deu origem a alguns dos mais terríveis conflitos na história da humanidade, como é o caso de Kosovo, Ruanda ou o Holocausto. Pesquisas mostraram que o etnocentrismo, o favorecimento de seu próprio grupo e a indiferença ou hostilidade em relação a grupos externos, existe em todas as culturas. Esses estudos sugerem que: a) a cooperação intragrupo e a competição intergrupo são fáceis de provocar; b) a cultura do nós versus eles é universal e é desencadeada por alguns tipos de situações sociais; c) a pertinência a um ou outro grupo pode mudar rapidamente.
Um grupo de pesquisadores da Universidade da Califórnia, em Berkeley, liderado por Leda Cosmides, examinou essas questões à luz de um problema que é especialmente aflitivo para nós, o preconceito racial. Estes autores apresentaram, a dois grupos de sujeitos, situações nas quais havia um conflito entre grupos rivais, com combinações raciais semelhantes entre seus componentes, isto é, os grupos eram compostos de números iguais de brancos e negros. A apresentação do conflito se dava através do relato daquilo que os indivíduos falavam. Porém, em uma das situações, todos os indivíduos vestiam camisetas de mesma cor; na outra situação os indivíduos do mesmo grupo vestiam camisetas da mesma cor, mas os dois grupos vestiam camisetas de cores diferentes. Dessa maneira, era fornecido um segundo identificador da pertinência ao grupo, além daquilo que os indivíduos falavam. A situação experimental consistia em um teste no qual o participante tinha que se lembrar quem, entre indivíduos que supostamente pertenciam a dois times de basquete, havia dito uma determinada frase. Esta era uma tarefa difícil porque havia muitas frases para serem lembradas; consequentemente, havia muitos erros. O que interessava ao grupo de pesquisadores era o tipo de erro cometido. Os participantes podiam confundir indivíduos que tinham a mesma cor de pele, mas que pertenciam a grupos diferentes, o que indicava que o critério de codificação era apenas a cor da pele; podiam confundir indivíduos que tinham a mesma cor de pele, mas pertenciam a grupos diferentes, o que indicava que o critério de codificação era duplo, a cor da pele e a pertinência ao grupo; e podiam confundir indivíduos que não tinham a mesma cor de pele, mas pertenciam ao mesmo grupo, o que indicava que o critério de codificação era apenas a pertinência ao grupo; finalmente, os participantes podiam confundir indivíduos que não tinham a mesma cor de pele e nem pertenciam ao mesmo grupo, o que indicava apenas um erro de memória. Os erros do grupo exposto à primeira condição (camisetas da mesma cor) eram em sua maioria erros de codificação nos quais confundiam indivíduos de uma cor de pele com outro indivíduo com a mesma cor de pele. Por outro lado, o grupo exposto à segunda condição (camisetas de cores diferentes) cometeu muito menos erros de codificação relativos à cor da pele e mais erros relativos à codificação da pertinência ao grupo. Isto é, para o segundo grupo a cor da pele foi um critério que perdeu importância na identificação de quem pertencia a qual grupo. Foi possível demonstrar, através de um procedimento chamado de protocolo de confusão de memória, que a codificação de raça podia ser diminuída, e até eliminada, no segundo caso, reforçando a ideia que a raça serve como um indicador de pertinência ao grupo na ausência de outros indicadores mais claros, no caso, a cor da camiseta.
A partir desses resultados os pesquisadores propuseram que a codificação de raça era uma expressão de uma psicologia subjacente de alianças: um conjunto de programas mentais típicos da espécie que evoluiu para regular a cooperação intragrupo e o conflito entre grupos no mundo desaparecido de nossos ancestrais caçadores-coletores. Se isto estiver correto, então a codificação racial pode não ser inevitável, como proposto por vários psicólogos. Ao invés disso, a tendência a categorizar os indivíduos pela sua raça pode ser um efeito colateral, altamente volátil e mutável, de programas cuja função adaptativa é detectar mudanças em alianças e coalizões. Uma implicação deste ponto de vista é que a codificação racial irá diminuir sempre que: (i) houver um conflito entre grupos rivais; (ii) a raça não for um preditor da pertinência de grupo, e (iii) outras pistas, facilmente detectáveis forem preditores de pertinência (por exemplo, cor da camisa, crachás, time de futebol, etc).
Cosmides e colaboradores propõem que as pesquisas relatadas acima sugerem quatro conclusões: a) a mente humana possui uma característica universal que consiste em um conjunto de programas específicos da espécie, que evoluíram para regular a cooperação intragrupo e o conflito intergrupo em nosso ancestrais caçadores-coletores; b) quando ativados, esses programas levam as pessoas a avaliar situações que envolvem grupos rivais (nós versus eles) favoravelmente aos grupos de pertinência (nós) e contra grupos externos (eles); c) um sub-conjunto desses programas representa uma especialização para a detecção de alianças (quem está aliado a quem); d) categorias raciais e étnicas consistem um sub-produto desses mecanismos de identificação de alianças e podem ser facilmente erradicadas. A seleção natural nos dotou com mecanismos psicológicos que nos permitem identificar rapidamente indivíduos como pertinentes ao nosso grupo ou a outro grupo, e esta codificação dirige nosso comportamento. Somos, portanto, animais sociais que favorecem seu grupo porque o fortalecimento do grupo, o círculo virtuoso, beneficia cada um dos indivíduos que pertencem a ele. Porém, estes mecanismos psicológicos são afetados pelas experiências que temos ao longo da vida. Comparamos participantes de sete estados brasileiros, que apresentavam diferentes composições raciais de sua população (de acordo com os dados do censo), através do mesmo procedimento utilizado por Cosmides e verificamos que os estados com uma maioria de pardos mostraram um decréscimo mais acentuado na codificação de raça na condição em que havia uma diferença entre os grupos (camisetas de cores diferentes). Aparentemente, a exposição a um ambiente no qual há maior integração racial diminui a importância da raça na identificação de pertinência a um grupo.
Considerações finais
Vimos como nossa mente foi moldada ao longo do processo evolutivo para tomarmos decisões sobre coisas tão diversas como o que comer ou com quem cooperar. Este tipo de pensamento, evolucionista, tem frequentemente sido associado com determinismo genético, isto é, com a ideia que o comportamento é controlado exclusivamente pelos genes, sem haver espaço para influências ambientais. Isto fica evidente quando se fala em gene para um comportamento ou traço como, por exemplo, o “gene do homossexualismo” ou o “gene da obesidade”. Afirmações como estas são, é claro, bobagens. Os genes não determinam nosso comportamento, antes fornecem os mecanismos que nos permitem apreender informações do meio. A observação do desenvolvimento de crianças é talvez o exemplo mais fascinante dessa interação biologia-meio ambiente. Recém nascidos respondem ao seu meio de forma seletiva, prestando mais atenção e respondendo aos estímulos que fazem mais sentido do ponto de vista evolutivo, isto é, que lhe permitirão se adaptar e aprender ao ambiente no qual irão viver. É o caso da linguagem e de outros estímulos sociais. Isto sugere que o bebê já nasce equipado para interagir de forma diferencial com seu meio e a aprender aquelas habilidades que serão importantes para a sua integração à cultura na qual nasceu: que língua falar, que alimentos comer, com quem interagir e cooperar.
A oposição do biológico ao cultural está baseada, fundamentalmente, em duas falácias a respeito das características genéticas: que elas são invariáveis e que não são influenciadas pelo ambiente. Na realidade, a biologia (ou os genes ou o instinto) estabelece os limites da aprendizagem, marca as fronteiras da flexibilidade, ou, como gostamos de dizer em psicologia, delimita a amplitude das diferenças individuais. O ser humano demonstra, por sua natureza biológica, extrema plasticidade comportamental. Por outro lado, também por natureza, é social. A combinação da plasticidade com a sociabilidade (que é de fundo biológico, pois faz parte da natureza humana) resulta em diferenças individuais, sociais, culturais. Nem por isso deixamos, cada um de nós, apesar de nossas diferenças, de ser humanos.
Maria Emília Yamamoto é professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), ligada ao Programa de Pós-Graduação em Psicobiologia, e coordena o Projeto do Instituto do Milênio em Psicologia Evolucionista.
(*) Artigo originalmente publicado na revista Ciência Sempre, Vol. 4, p.12-17, 2008.
Para saber mais:
- Número especial da revista Psique sobre psicologia evolucionista, ano II, no. 6, 2007.
- Pinker, S. O instinto da linguagem. São Paulo, Martins Fontes. 2002.
- Rose, M. O espectro de Darwin. Rio de Janeiro, Zahar. 2000.
- Wright, R. O animal moral: porque somos como somos: a nova ciência da psicologia evolucionista. Rio de Janeiro, Campus. 1996.
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